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29/10/2018

Breve Análise da Desatualizada NR-15 e seus Impactos na Saúde do Trabalhador

O direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado, reconhecido internacionalmente pela Declaração de Estocolmo em 1972 e depois assentado na Constituição Federal do Brasil de 1988, constitui-se como direito fundamental a concretização do princípio da dignidade humana e ao próprio direito à vida.

Iniciada com a Revolução Industrial e, atualmente, com a Revolução Tecnológica, a modernização dos meios de produção apresenta-se como uma constante tornando, a uma velocidade incalculável, cada vez mais incerto os riscos do ambiente do trabalho.

Por esta razão é essencial que haja especial atenção a modificação dos riscos ocupacionais, visto que se alteram constantemente no tempo, através das novas máquinas, tecnologias e diversos ambiente laborais.

 

Por se tratar de interesse público, é conferido ao Estado o dever de exercer tanto a função de regulamentação das legislações sobre o tema, quanto o controle da aplicação destas normas, a fim de garantir a proteção à saúde e a integridade física e mental do trabalhador. É o que dispõe o artigo 161 da CLT:

 

Art. 161 – O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho.

 

A NR-3, considera como grave e iminente risco “toda condição ou situação de trabalho que possa causar acidente ou doença relacionada ao trabalho com lesão grave à integridade física do trabalhador”. Considera-se ainda grave e iminente risco toda condição possa ocasionar dano futuro ao trabalhador, a partir da exposição ao longo do tempo, como ocorre com a poeira de sílica que pode ocasionar pneumoconiose, a exposição a Ruído que poderá ocasionar perda da audição, entre outras.

Neste sentido, o Ministério do Trabalho e Emprego trata do risco suportável na NR-15, estabelecendo níveis de tolerância para os agentes insalubres. Tais níveis são considerados como não prejudiciais à saúde. Vejamos:

 

15.1.5. Entende-se por “Limite de Tolerância”, para fins desta norma, a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará danos à saúde do trabalhador, durante sua vida laboral.[1]

 

De acordo com este modelo, o trabalhador que desempenhe seu trabalho dentro dos limites de tolerância não fará jus à percepção do adicional de insalubridade e por vezes não se fará a adoção das medidas de prevenção, especialmente o EPI.

Ocorre que, em 1978, ano em que foi aprovada a NR-15, o Brasil não tinha estudos destinados a estipulação de limites de exposição, razão pela qual, adotou-se os parâmetros publicados pela Conferência Governamental Americana de Higienistas Industriais (American Conference of Governmental Industrial Hygienists – ACGIH), que é uma instituição privada científica com sede nos Estados Unidos América.

A ACGIH faz atualização anual dos seus parâmetros de tolerância, no entanto a NR-15 recebeu última atualização somente em 2008, quando da inclusão da obrigatoriedade do sistema de umidificação para minimizar a poeira decorrente do funcionamento das máquinas de corte e rochas ornamentais.

Desta forma, a NR-15 encontra-se, comprovadamente, desatualizada e não atende os limites adequados dos agentes insalubres. Novos agentes são introduzidos, constantemente, pela indústria química sendo que seus efeitos nocivos deveriam ser objeto frequente de pesquisas epidemiológicas que possibilitassem a atualização da referida Norma Regulamentadora.

Acerca do assunto, importantes considerações de Mara Queiroga Camissassa:

 

A falta de atualização de vários limites de tolerância presentes na NR15, aliada à evolução técnicocientífica das últimas décadas, faz que diversas exposições consideradas atualmente toleráveis pela norma não sejam sequer admitidas por órgãos normativos e científicos internacionais (dentre eles a própria ACGIH), por serem, comprovadamente, danosas à saúde do trabalhador. Para exemplificar, cito o limite de tolerância à exposição ao agente químico Tolueno determinado pela NR15, que é de 78 ppm (setenta e oito partes por milhão), enquanto a ACGIH estabelece que esse valor deva ser 20 ppm (vinte partes por milhão). Temos, portanto, há vários anos no Brasil, milhares ou milhões de trabalhadores expostos a condições insalubres que são inaceitáveis pela comunidade internacional.[2] (grifou-se)

 

Conforme bem expôs Camissassa, há diversos agentes que não sofreram atualização, o que resulta em milhares de trabalhadores expostos a agentes prejudiciais à saúde, sem, contudo, receber equipamentos de proteção individual, ou, ainda, receber o adicional de insalubridade.

Vejamos ainda o que diz a Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais:

 

Os resultados são estarrecedores: há várias substâncias com limites mais de 100 vezes acima daqueles que hoje seriam recomendados. E mais da metade dos limites está desatualizada. E, o que é ainda pior, a NR-15, estabelece de forma explícita que o limite de tolerância é “a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador durante a sua vida laboral” (grifo nosso). Isso em 1978 correspondia a uma verdade, pois os limites constantes da nossa legislação eram aqueles que a ciência entendia serem adequados para   a proteção da saúde dos trabalhadores. Hoje, porém, os limites legais, que estão duas, três, dez, cem vezes maiores do que aqueles que os estudos consideram seguros, representam, na verdade, uma grande ameaça à vida e saúde dos homens que dedicam sua vida ao desenvolvimento de nossa nação. E isso talvez se volte contra o próprio Poder Público, pois este poderá vir a ser responsabilizado pelos danos causados por sua omissão.[3]

 

A Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (ABHO), apresentou, ainda, um gráfico para avaliar a defasagem do atual Anexo 11, o qual demonstra uma defasagem de mais de 50% dos limites atuais em relação aos TLVs adotados pela ACGIH® para o ano de 2010. Vejamos:

 

O gráfico que segue mostra que 52,3% dos limites previstos na NR-15 estão acima dos TLVs® da ACGIH® 2010, sendo 2% acima de 100 vezes, 11% entre 30 e 99 vezes, 16% entre 10 a 30 vezes e 24% acima de três vezes. 28% são de uma a três vezes maiores que esses limites internacionalmente aceitos para a proteção da saúde dos trabalhadores expostos.

 

Não bastasse a nítida defasagem da NR-15, o Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento, na súmula 448, que o rol de atividades insalubres é taxativo, ou seja, mesmo que perícia técnica comprove que o agente é insalubre, não poderá assim ser considerado caso não esteja constando do rol da norma regulamentadora.

 

Súmula nº 448 do TST

ATIVIDADE INSALUBRE. CARACTERIZAÇÃO. PREVISÃO NA NORMA REGULAMENTADORA Nº 15 DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO Nº 3.214/78. INSTALAÇÕES SANITÁRIAS.  (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1 com nova redação do item II ) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014.

I – Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho. […][4] (grifo nosso).

 

Verifica-se que referido entendimento do TST permanece prejudicando milhares de trabalhadores que estão submetidos a altíssimos níveis de exposição a agentes que causam doenças e podem levar até a morte, sem que haja qualquer proteção.

Ainda, não há dúvidas quanto a necessidade de revisão da NR-15, visto que permanece deixando em descoberto diversos trabalhadores, os quais sequer imaginam o risco e os impactos que sofrem todos os dias.

Conforme bem pontuou a ABHO, o próprio Poder Público poderá sofrer as consequências dessa omissão, visto que poderá vir a ser responsabilizado pelos danos causados aos trabalhadores.

 

REFERENCIAS:

BRASIL. Portaria 3.214 de 1978. Redação dada pela Portaria nº 12 de 1983. Lex: Segurança e Medicina do Trabalho. 75. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2015. P. 238. (Manuais de legislação Atlas).

BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 448. Atividade insalubre. Caracterização. Previsão na Norma Regulamentadora nº 15 da Portaria do Ministério do Trabalho nº 3.214/78. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-448>. Acesso em: 11 set. 2016. 

CAMISASSA, Mara Queiroga. Segurança e saúde no trabalho: NRs 1 a 36 comentadas e descomplicadas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2015.

SOTO, José Manuel O. Gana; SAAD, Irene F. Souza Duarte; GIAMPAOLI, Eduardo; FANTAZZINI, Mário Luiz. Norma Regulamentadora (NR) -15: um pouco de sua história e considerações do grupo que a elaborou. Revista ABHO de Higiene Ocupacional, 21 ed., 2009, São Paulo.

 

NOTAS DE RODAPÉ:

[1] BRASIL. Portaria 3.214 de 1978. Redação dada pela Portaria nº 12 de 1983. Lex: Segurança e Medicina do Trabalho. 75. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2015. P. 238. (Manuais de legislação Atlas).

[2] CAMISASSA, Mara Queiroga. Segurança e saúde no trabalho: NRs 1 a 36 comentadas e descomplicadas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2015. Pg. 246.

[3] SOTO, José Manuel O. Gana; SAAD, Irene F. Souza Duarte; GIAMPAOLI, Eduardo; FANTAZZINI, Mário Luiz. Norma Regulamentadora (NR)-15: um pouco de sua história e considerações do grupo que a elaborou. Revista ABHO de Higiene Ocupacional, 21 ed., 2009, São Paulo.

[4] BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 448. Atividade insalubre. Caracterização. Previsão na Norma Regulamentadora nº 15 da Portaria do Ministério do Trabalho nº 3.214/78. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-448>. Acesso em: 11 set. 2016.

 

Escrito por: Alessandra Mancasz.

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