Os Contratos Imobiliários de Locação e a Possibilidade de Revisão no Período de Crise (Covid-19)

A pandemia causada pela Covid-19 gerou e vem gerando diversos problemas de ordem econômica e social. As relações comerciais e contratuais foram atingidas das mais variadas formas, sendo que aquelas de ordem privada são as que trazem as maiores dúvidas com relação a nova situação que se apresenta.

Destacamos aqui a relação privada entre locador e locatário, nos contratos imobiliários de locação de imóveis residências e comerciais, sendo que os impactos da crise atingem ambas as partes, posto estarem envolvidos no mesmo contexto social.

Por se tratar de uma crise sem precedentes históricos recentes, as incertezas acerca da resolução dos problemas se torna evidente, posto que a legislação brasileira não trata do tema de forma clara e específica.

Buscando a contenção do avanço da doença, na tentativa de diminuir o número de contágios, diversas medidas foram tomadas pelo Poder Público, algumas impactando diretamente na atividade comercial, tais como o fechamento temporário de comércios, proibição de algumas atividades, alteração de horários e forma de atendimento, entre outras tantas mudanças que diariamente são publicadas nos diários oficiais de municípios, estados e união.

Assim, o que se percebe é a redução dos ganhos e dos lucros das empresas, em especial dos pequenos e médios empresários, os quais encontram enormes dificuldades em arcar com todas as suas obrigações, dentre elas com o pagamento de aluguéis.

Surgem então as dúvidas e os questionamentos: Posso parar de pagar o aluguel no período de crise? Posso reduzir o valor que estou pagando? O proprietário poderá pedir de volta o imóvel?

Para responder a esses e outros questionamentos, precisamos fazer uma análise sistêmica do ordenamento jurídico, buscando aplicar as leis e os princípios de direito para manter o equilíbrio contratual e, principalmente, a manutenção das atividades e a das relações privadas.

De início, destacamos que independentemente das previsões legais e dispositivos aplicáveis ao tema, a busca de uma resolução consensual para os problemas de forma extrajudicial (acordo entre as partes) é sempre o melhor caminho. Para tanto, basta um aditivo contratual, no qual deverão ser descritas as novas condições contratuais, garantindo-se assim a segurança jurídica aos contratantes.

O uso do bom senso e da boa-fé por ambas as partes é requisito indispensável. Ora, de um lado temos o locatário que tem os seus ganhos reduzidos, o que o impossibilita de adimplir com sua obrigação contratual. De outro, o proprietário do imóvel também necessita receber o valor do aluguel, sendo que conta com esse valor para integrar a sua renda. Aliás, em alguns casos o recebimento de alugueres é a única renda de alguns locadores.

Logo, a busca de um acordo deve ser feita analisando-se as possibilidades e necessidades tanto do locador como do locatário, sendo garantido um reequilíbrio contratual que atenda, ao menos de forma parcial, os interesses das partes envolvidas.

Não havendo o acordo entre as partes, as medidas judiciais deverão ser acionadas, mediante a proposição das ações revisionais de aluguel. Neste caso, devemos observar as disposições legais aplicáveis.

Neste sentido, sabe-se que os contratos de locação comercial e não comercial são regidos pela Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato). Quanto à possibilidade de revisão contratual, referida lei nos apresenta a seguinte disposição:

 

Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.

Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado. (grifos nossos)

 

Note-se que a revisão contratual prevista exige o requisito temporal mínimo de vigência do contrato (03 anos) e o objetivo final único de ajustamento do valor do aluguel para o valor de mercado.

Assim, muitos dos casos que necessitam de uma resolução emergencial em decorrência da crise gerada pela pandemia não estariam assistidos pela revisão prevista na Lei do Inquilinato, seja por não atenderem ao requisito temporal, seja por não estar com o valor do aluguel acima do valor de mercado.

Resta então a busca de um amparo jurídico no Código Civil brasileiro, o qual regulamenta de forma subsidiária as relações contratuais locatícias, tendo em vista que a lei específica não possui previsão acerca de situações inesperadas, imprevisíveis ou extraordinárias.

Sabe-se que as relações contratuais, em geral, são baseadas no princípio do “pacta sun servanda” (acordos devem ser cumpridos). Porém, o próprio Código Civil prevê as situações em que os acordos ou contratos podem ser revistos. São elas:

 

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.                                                     

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

 

Assim, em caso de situações imprevisíveis e que causem uma desproporção contratual, caracterizando uma onerosidade excessiva para uma das partes, o contrato poderá ser revisto mediante ação judicial, aplicando-se a chamada “Teoria da Imprevisão”, eis que evidente a condição de excepcionalidade.

Inegável que a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus se enquadra em uma situação inesperada e imprevisível, sendo que as ações para contenção da disseminação da doença ocasionaram a onerosidade excessiva para alguns locatários.

Assim, não restam dúvidas de que é possível a revisão contratual dos contratos imobiliários de locação de imóveis, com base na Teoria de Imprevisão e com base em uma aplicação sistêmica e teleológica do nosso ordenamento jurídico vigente.

Por óbvio que os casos deverão ser analisados caso a caso, sendo que deverá haver a comprovação inequívoca de que o contrato se tornou desequilibrado e desproporcional para uma das partes, restando ao poder judiciário garantir a readequação e o reequilíbrio contratual.

Outra questão importante e  que em breve estará em discussão é a revisão contratual com base na própria Lei do Inquilinato (art. 19), já destacada acima, pois é certo que os valores de mercado de aluguéis de imóveis deverão sofrer um ajuste, eis que muitas empresas já anunciaram medidas para redução de suas estruturas, fechamento de unidades e encerramento de atividades, o que levará ao aumento de imóveis disponíveis pra locação/venda, alterando o cenário da oferta e da procura, o que deverá impactar no valor do aluguel destes imóveis.

Por fim, destacamos que diversas leis poderão ser criadas e publicadas no sentido de regulamentar essas situações de revisões contratuais, sendo muito importante o acompanhamento e o debate acerca desse tema por toda a sociedade, sempre no intuito  de se buscar o equilíbrio contratual, a continuidade das relações contratuais individuais e o desenvolvimento da atividade econômica e social.

 

Por Patrick França.

Advogado com especialização em Direito Civil, Direito do Consumidor e Processo Civil.

 

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