O art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, com redação conferida pela lei 11.718/08, criou a figura da aposentadoria mista ou híbrida, pela qual é possível computar períodos de atividade urbana e rural, para fins de completar a carência da aposentadoria por idade.
A aposentadoria híbrida pode ser subdividida em:
aposentadoria por idade rural híbrida – quando a atividade desempenhada no momento do implemento dos requisitos ou do requerimento administrativo é a rural.
aposentadoria por idade urbana híbrida – quando a atividade desempenhada no momento do implemento dos requisitos ou do requerimento administrativo é a urbana.
No primeiro caso, quando a última atividade desempenhada é de natureza rural, o próprio INSS (na via administrativa) reconhece o direito a tal benefício. Sendo assim, é possível a soma de tempo urbano passado ou intercalado ao tempo rural, desde que com o aumento do requisito etário para 60 anos se mulher e 65 anos se homem.
Ocorre que a segunda situação (onde a última atividade é urbana) é mais comum tendo em vista o êxodo rural ocorrido na segunda metade do século XX. Nesta situação, pretende-se a utilização de tempo rural passado ou intercalado para somar com a atividade urbana posterior, exigindo-se o mesmo requisito etário de 60 anos se mulher e 65 anos se homem.
Após tal inovação legislativa, passou-se a questionar se a regra seria aplicável, também, aos segurados urbanos.
O problema reside no fato de que o artigo de lei menciona que o benefício será devido aos trabalhadores rurais que possuam contribuições em outras categorias de segurado.
Para ser considerado trabalhador rural, é necessário possuir tal qualidade, ou seja, não se afastar da sua atividade senão por período máximo de 120 dias a cada ano.
O STJ, em decisões reiteradas, entendeu que tal benefício também é devido ao trabalhador urbano, em atendimento aos princípios da isonomia, equivalência e uniformidade dos benefícios, que estão consolidados na Constituição Federal de 1988.
No âmbito dos Juizados Especiais Federais do Paraná foi aventada a tese de que embora fosse possível a figura da Aposentadoria Híbrida Urbana, a atividade rural exercida anterior a 1991 não poderia computar para fins de carência.
Mais uma vez, o Superior Tribunal de Justiça (em decisões reiteradas), bem como a Turma Nacional de Uniformização (Tema Representativo de Controvérsia 131) já firmaram entendimento no sentido de que não há óbice legal para tanto. Tanto é que o próprio INSS, no Memorando-Circular Conjunto DIRBEN/PFE/INSS nº 01 de 04 de janeiro de 2018, passou a reconhecer tal possibilidade.
Desta forma, restaria superado o impasse para o Reconhecimento da Aposentadoria por Idade Hibrida Urbana.
Ocorre que, no âmbito do tribunal da 4º região, foi suscitada uma nova tese que impediria o cômputo de tempo de atividade rural exercida em passado remoto.
Tal teoria foi julgada pela TNU sob o Tema Representativo de Controvérsia nº 168 no dia 27/08/2018, a qual fixou a seguinte tese:
Questão submetida a julgamento: Saber se é possível o cômputo de período rural, remoto e descontínuo, laborado em regime de economia familiar, para fins de concessão de benefício de aposentadoria por idade híbrida.
Tese Firmada: “Para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, só é possível somar ao tempo de contribuição, urbano ou rural, o tempo de serviço rural sem contribuições que esteja no período imediatamente anterior ao implemento da idade ou ao requerimento administrativo, ainda que de forma descontínua, até totalizar o número de meses equivalente à carência do benefício.”
Tal tese vai contra o que a própria TNU entendeu no tema 131, que transitou em julgado em 01/09/2017.
Atualmente o PEDILEF 0001508-05.2009.4.03.6318 (Tema 168), aguarda julgamento de Embargos de Declaração. O IBDP, que atua como amicus curiae neste processo, informou que vai recorrer ao STJ.
A referida tese baseia-se no fato de que a lei 11.718/2008 menciona apenas o trabalhador rural e, por consequência, a extensão da aplicação do artigo 48, § 3º da referida lei somente poderia se dar ao trabalhador urbano que possuísse tempo de atividade rural dentro do período de carência, ou ainda, desde que houvesse uma nota de contemporaneidade.
Ou seja, o que se discute é a existência de qualidade de segurado rural, como requisito necessário à concessão da Aposentadoria por Idade Híbrida Urbana.
Com a devida vênia, entendemos em sentido totalmente contrário a tese do ilustre julgador.
Inicialmente, porque, conforme já entendeu o Superior Tribunal de Justiça, a extensão da aplicação do artigo 48, § 3º da Lei 11.718/2008 se deu em respeito aos princípios constitucionais da isonomia, equivalência e uniformidade dos benefícios, expressos nos artigos 5°, caput, e 201, § 9º da Constituição Federal.
Desta forma, impor limitações à aplicação do dispositivo legal aos trabalhadores que se encontrem atualmente na atividade urbana fere diretamente os princípios acima supracitados. Assim, não há como se entender pela isonomia e equivalência dos benefícios quando o segurado urbano tem acesso completamente limitado a um benefício que é devido ao segurado rural, sem qualquer impeditivo.
Mais ainda, conforme já mencionado acima, somente possui a qualidade de segurado especial aquele trabalhador que não se afastou do campo por período superior a 120 dias durante o ano. Desta forma, inviável que a denominada “nota de contemporaneidade” possa devolver ao segurado sua qualidade de trabalhador rural, visto que sua última atividade é a urbana.
REFERENCIAS:
BRASIL, Supremo Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência n° 548. Brasília, 22 de outubro de 2014. Pg. 05.
SOARES, João Marcelino. Enunciados e súmulas previdenciárias. São Paulo. LTr, 2015.
RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Trabalhador Rural – Segurado Especial: Legislação, Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. – Curitiba: Alteridade Editora, 2018. Pg. 266-273.
Escrito por: Alessandra Mancasz